O operário em construção

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Era ele que erguia casas 
 Onde antes só havia chão. 
 Como um pássaro sem asas 
 Ele subia com as asas 
 Que lhe brotavam da mão.

Mas tudo desconhecia 
 De sua grande missão: 
 Não sabia por exemplo 
 Que a casa de um homem é um templo 
 Um templo sem religião 
 Como tampouco sabia 
 Que a casa que ele fazia 
 Sendo a sua liberdade 
 Era a sua escravidão.

 De fato, como podia 
 Um operário em construção 
 Compreender por que um tijolo 
 Valia mais do que um pão? 
 Tijolos ele empilhava 
 Com pá, cimento e esquadria 
 Quanto ao pão, ele o comia... 
 Mas fosse comer tijolo! 
 E assim o operário ia 
 Com suor e com cimento 
 Erguendo uma casa aqui 
 Adiante um apartamento
 Além uma igreja, à frente 
 Um quartel e uma prisão: 
 Prisão de que sofreria 
 Não fosse eventualmente 
 Um operário em construção.

 Mas ele desconhecia 
 Esse fato extraordinário: 
 Que o operário faz a coisa 
 E a coisa faz o operário. 
 De forma que, certo dia 
 À mesa, ao cortar o pão 
 O operário foi tomado 
 De uma súbita emoção 
 Ao constatar assombrado 
 Que tudo naquela mesa 
 – Garrafa, prato, facão –

 Era ele quem os fazia 
 Ele, um humilde operário, 
 Um operário em construção. 
 Olhou em torno: gamela 
 Banco, enxerga, caldeirão 
 Vidro, parede, janela 
 Casa, cidade, nação!
 Tudo, tudo o que existia 
 Era ele quem o fazia 
 Ele, um humilde operário 
 Um operário que sabia 
 Exercer a profissão.
 [...]


MORAES, Vinicius de. O operário em construção. In: Nova 
antologia poética. CíCERO, Antonio; FERRAz, Eucanaã 
(Org.). São Paulo: Companhia das Letras, 2008. p. 201 
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